segunda-feira, 20 de julho de 2009

Entrevista com Douglas Fersan



Douglas Fersan é sociólogo e profissional da área da educação. Mesmo com essa formação acadêmica trilhou os caminhos da umbanda e acabou se destacando por seus textos lúcidos que publica em blogs, jornais e sites. Sua fama de mau humorado parece mais que é lenda pois com o blog ESPÍRITO E MAGIA ele foi bastante gentil, mas mesmo assim ele relutou um pouco a dar essa entrevista.

ESPÍRITO E MAGIA:
Desde quando você é ligado à umbanda e às coisas espirituais?

Douglas Fersan: Acho que desde sempre. Festas de Cosme e Damião, visitas a benzedeiras foram constantes em minha infância. Embora se dissesse católica, minha mãe sempre apelava para a ajuda espiritual, principalmente a fim de cuidar da minha irmã, que desde muito pequena tinha problemas de saúde e de ordem mediúnica (hoje entendo isso).

ESPÍRITO E MAGIA: Mesmo sendo católica, sua mãe freqüentava a umbanda?

Douglas Fersan: Não necessariamente e não apenas a Umbanda. Ela buscava o bem-estar de sua família e, como sempre dizia, acreditava que Deus não estava restrito a um único templo. Na realidade, o que ela fazia era o reflexo do comportamento do povo brasileiro, que majoritariamente se diz católico, mas tradicionalmente acredita nas manifestações espirituais, talvez até como fruto de seu passado histórico. Assim, minha mãe não freqüentava a Umbanda ou o Espiritismo, ela buscava lugares que lhe faziam bem e, mesmo batendo no peito e se dizendo católica, ia mais a centros espíritas e terreiros do que à missa (risos).

ESPÍRITO E MAGIA: Parece que essa é uma característica do povo brasileiro.

Douglas Fersan: Faz parte da identidade cultural do brasileira, e certamente essa característica deve levar os ortodoxos da Igreja Católica à loucura, pois esse comportamento seria considerado heresia em outros tempos e lugares, mas o colonizador branco, católico, europeu teve que se render a essa flexibilidade que se construiu no Brasil. Até mesmo por uma questão econômica: ou as diversas etnias e suas crenças e hábitos se mesclavam, ou não haveria a menor possibilidade de se construir uma economia colonial efetivamente bem sucedida. Não havia no Brasil a ortodoxia dos puritanos ou dos quakers, por exemplo. Nem mesmo quando os holandeses invadiram o Brasil houve uma imposição religiosa, pois eles bem sabiam que mexer com o catolicismo português ou com a tradição africana acarretaria em desentendimentos que prejudicariam seus negócios.

ESPÍRITO E MAGIA: Você parece sempre buscar na história o entendimento do mundo atual.

Douglas Fersan: Entender a formação história de um povo é entender sua identidade.

ESPÍRITO E MAGIA: Vamos ao assunto-tema do site: você acredita na existência da magia?

Douglas Fersan: Eu tenho certeza dela. A magia é tão real quanto os fenômenos físicos.

ESPÍRITO E MAGIA: E o que seria a magia para você?

Douglas Fersan: A manipulação energética de determinados elementos. Todo elemento possui sua vibração, sua energia. Saber manipular e direcionar essa energia é praticar a magia.

ESPÍRITO E MAGIA: Da maneira como você fala, dá a impressão que a magia é algo natural.

Douglas Fersan: Não se deve banalizar a magia, mas também não precisamos acreditar que é algo praticado apenas em catacumbas, por mestres iniciados em sociedades secretas. A prática da magia é mais recorrente do que pensamos, muito embora eu defenda o seu uso racional e responsável.

ESPÍRITO E MAGIA: Pode explicar melhor essa afirmação de que a magia é mais recorrente do que se imagina?

Douglas Fersan: Volto a dizer que não se deve banalizar e é bom lembrar que existem vários níveis de magia, desde aquelas mais simples até as altamente complexas, praticadas por poucos. Mas a magia é praticada por todos os povos nas mais diversas épocas e situações. A própria Bíblia narra a transmutação da água em vinho, a multiplicação dos peixes, a cura de diversos doentes. Jesus teria sido um grande mestre na arte de manipular a energia dos elementos. O que alguns chamam de milagre, outros podem chamar de magia. E mesmo no nosso cotidiano as pessoas vivem apelando para receitas que julgam mágicas (nem todas são realmente, ou funcionam efetivamente), como simpatias para os mais diversos fins. Essas simpatias, num nível bem primário, seria uma forma de se praticar magia.

ESPÍRITO E MAGIA: Existe relação entre umbanda e magia?

Douglas Fersan: A Umbanda é magística por natureza, assim como a maioria das religiões. A diferença é que na Umbanda essa relação se dá de forma explícita, assumida e sem disfarces, como o eufemismo de “milagres”, usado pela grande maioria das religiões.

ESPÍRITO E MAGIA: O que é a umbanda para você?

Douglas Fersan:
Uma filosofia de vida, porém, para isso é preciso vivenciar a Umbanda, e não apenas comparecer aos seus cultos.

ESPÍRITO E MAGIA:
Pode ser mais claro?

Douglas Fersan: Muitos são umbandistas apenas no período que dura a gira de seu terreiro. Terminada a gira, cada qual vai para sua casa, tira a roupa branca e age o resto da semana como se não tivesse uma religião que deveria nortear suas atitudes. Isso é não entender a Umbanda enquanto filosofia de vida, é estar umbandista e não ser umbandista.

ESPÍRITO E MAGIA: Mas é muito difícil ser umbandista e usar os princípios da caridade todos os dias.

Douglas Fersan: Certamente, e eu mesmo sou imperfeito em meus atos e um pecador convicto, porém sem a tal da reforma íntima, qualquer religião é vã. Devemos ao menos tentar melhorar um pouquinho que seja por dia.

ESPÍRITO E MAGIA: Como você definiria a intolerância religiosa?

Douglas Fersan: Com uma só palavra: ignorância. Mas é bom deixar claro que a intolerância não é unilateral, ela vem de todas as partes. Existem umbandistas, espíritas, candomblecistas que são tão intolerantes quando alguns evangélicos, católicos, muçulmanos, etc. O fanatismo e a intolerância não são privilégios de ninguém. O que nos falta é assumir o papel de cidadãos e passar a exigir o cumprimento das leis. Somente mostrando que conhecemos a lei, que sabemos usá-la e que ela é eficiente, teremos forças para combater o preconceito religioso.

ESPÍRITO E MAGIA: Você concedeu uma longa entrevista virtual em um site de relacionamentos, onde falou sobre vários aspectos da umbanda. Alguns de seus conceitos mudaram desde aquela época?

Douglas Fersan: Como diz uma sábia entidade da umbanda, “quem fica parado é poste”. Essa entrevista aconteceu há dois ou três anos, não me lembro bem, de lá para cá aprendi coisas novas, que somaram e fatalmente me fizeram rever alguns conceitos. Eu diria que a essência continua a mesma, mas mudei alguns poucos conceitos, e arrisco dizer, sem modéstia nenhuma, que essa mudança foi no sentido de aprimorar.

ESPÍRITO E MAGIA: Essa entrevista gerou alguma repercussão?

Douglas Fersan: Recebi centenas de emails, até da Bélgica, Japão e outros países. A maioria deles fazia uma crítica positiva, graças a Oxalá. Isso me fez refletir muito sobre a imensa responsabilidade que assumimos ao escrever, declarar e tornar pública uma idéia, principalmente ela se refere à religião que professamos.

ESPÍRITO E MAGIA: Falando em escrever, você se tornou conhecido pelas matérias que escreve sobre umbanda. Fale um pouco sobre isso.

Douglas Fersan: Não acho que me tornei conhecido, acho que nem quero isso para mim. Escrevo principalmente sobre Umbanda, mas não apenas sobre ela. Escrevo também sobre Educação e pretendo, em breve, criar um blog sobre Sociologia. Mas escrevo despretensiosamente, como alguém que observa e relata suas conclusões. Ao contrário do que já me acusaram, não pretendo intelectualizar a Umbanda, nem tenho competência para isso.

ESPÍRITO E MAGIA: Pretende publicar um livro?

Douglas Fersan: Se eu dissesse que nunca pensei nisso, estaria mentindo. Mas quando se fala em escrever sobre Umbanda, é preciso um cuidado muito grande, pois não se deve escrever em tons doutrinários. A prática da Umbanda se aprende nos terreiros, no convívio com os sacerdotes, entidades e cambones. A literatura umbandista deve ser criteriosa e centralizar-se nas reflexões e registros, mais no sentido de internalizar do que propagar. Já escrevi para um jornal, e sempre procurava observar esse limite, que julgo ser fundamental.

ESPÍRITO E MAGIA: Nunca ocorreu um conflito entre o sociólogo e o umbandista? Pode ser que não, mas num primeiro olhar, parece uma combinação estranha.

Douglas Fersan:
Não existe esse conflito, pois eu acho que a Umbanda, como poucas religiões, é bastante pragmática. O olhar de sociólogo me faz não aceitar mistificações, o que é bastante positivo, além de aguçar a sede de conhecer e entender a Umbanda nas suas mais profundas raízes. Acho que essa combinação mais ajuda que atrapalha.

ESPÍRITO E MAGIA: Diga alguma coisa aos leitores do blog para encerrar essa entrevista.

Douglas Fersan: Não sei bem o que dizer, você me pegou de surpresa para essa entrevista. Vou dizer o que me veio à mente agora, mesmo que isso não tenha muito a ver com Umbanda ou magia. Só construiremos um país melhor no dia em que investirmos em educação e cada família ensinar bons valores aos seus filhos. Esses valores não são necessariamente da religião que professo, todas religiões tem bons valores a ensinar. São os valores da alma, do respeito, da solidariedade e da alteridade. Talvez eu não veja esse país, mas gostaria muito de contribuir para que ele seja construído.

4 comentários:

  1. Gosto muito do Douglas e de tudo que ele escreve. Essa entrevista para mim é uma homenagem e um reconhecimento a esse soldado de Aruanda.

    JCarlos

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  2. Muito bom mesmo.

    Se hoje existe um diferencial no movimento umbandista , ele se chama Douglas Fersan.

    Dani

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  3. Boa tarde, eu sou espirita, o que conheço da Umbanda foi por meio de estudo, infelizmente, nunca fui a um terreiro.

    Quando criança tinha medo, pelas histórias que eram contadas, após os estudos foi dissipando as dúvidas e "crentici" alienada e deturpada sobre a Umbanda.

    Hoje o meu ser espiritual, aceita o direito de todas as religiões se expressarem, meu único problema, que tive na vida, foram com pessoas que se dizem "evangélicas"... o fator de INTOLERÂNCIA RELIGIOSA... motivo: recedo espirito. A minha luta com estas pessoas, na a Igreja Evangélica, simplesmente para mostrar o quanto tenho o DIREITO DE ESCOLHER MINHA RELIGIÃO.

    Tenho um blog, que divulgo texto de várias religião, não tenho de vcs... peço permissão para ler, e possivel divulgar no site, com o nome de vcs.

    Meu blog:

    http://aluzdadoutrinaespirita.ning.com/

    Abraços,

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  4. O Douglas é meu professor. esse entrevista foi muito boa pra mim, aprendi muito, acho que deveria haver mais pessoas com esse tipo de pensamento sobre as religiões em geral.
    Eu digo a todos que sou atéia, mas no fundo acho que: há sim algo para crer, mas ainda não sei o que é.
    Posso dizer que caminho pelas religiões querendo saber o que realmente sou, da onde vim e no que devo crer. E sinceramente não quero me empacar em uma religião.
    Afinal sou um fruto ainda verde e me falta muito pra amadureces.

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