“Os pássaros revoaram sobre a imensidão azul, tornando-se apenas vultos ao se colocar contra a luz do sol. O farfalhar das asas no vôo rasante produziu uma brisa agradável, contrastando com o calor escaldante daquele janeiro de 1905. José Bento puxou o pai pela camisa e perguntou quase chorando:
_Pai, estamos chegando?
Seu João Bento respirou fundo, buscando a paciência que o cansaço e o sofrimento quase tinham esgotado e respondeu sem demonstrar muita emoção:
_Sim, falta pouco...
_Estou com fome... e sede – insistiu o garoto (...)”
Assim começa “Um conto da Bahia”, a saga de José Bento, um nordestino inconformado com a própria condição e a de seu povo. Não aceitando a pobreza e a injustiça social – tão comum naquele tempo e lugar – José Bento decide partir em busca de aventuras, seguindo um grupo de bandoleiros que percorria os sertões. Na verdade, o que ele não sabia, é que partia em busca do próprio destino, em busca do entendimento da existência e do crescimento espiritual.
“Um conto da Bahia” não é apenas um romance. É o retrato de uma sociedade, de um povo, que aos poucos vai construindo sua identidade a partir da mistura das crenças e da sabedoria popular que vive adormecida no inconsciente coletivo.
É possível encontrar, ao longo da narrativa, referências às diversas raízes que formaram a religiosidade brasileira: a onipresença católica, o conhecimento indígena arraigado no inconsciente popular, o africanismo tão marcante (a contragosto das classes dominantes) na formação brasileira e a sabedoria quase ingênua dos curandeiros (ou benzedeiros) que resistem até os dias atuais.
Numa linguagem suave e envolvente, esses elementos vão surgindo e mostrando que convivem numa harmonia quase silenciosa, mas que sempre voltam à tona, pois já estão incorporados à identidade do povo brasileiro.
Douglas Fersan – que é sociólogo e historiador - escreve como quem conta uma história – e nesse caso, não é apenas uma história para entreter, é a própria história do Brasil, de seu povo e de sua crença. Com mestria, o sociólogo, o historiador e o contador de histórias dão as mãos para nos brindar com essa magnífica obra, que não fala de Espiritismo, de Umbanda, de Catolicismo ou de qualquer outra religião. Fala de cada um de nós, pois muitos serão aqueles que conseguirão ver um pouco de si no romântico, ingênuo, sábio e rebelde José Bento, um homem contraditório, mas cheio de esperança, como cada um dos brasileiros que luta diariamente pela sua sobrevivência e crescimento espiritual.
Confira essa obra no link:
Jorge FagundesResenha literária do Jornal Caminho do Sol
Copiei essa crítica de outro blog e coloquei para homenagear meu amigo Douglas Fersan.
Abraços e sucesso, meu amigo.
André Mendes.